25.5.13

PERPETUUM MOBILE (MOTO-PERPÉTUO)

“Demasiado audacioso aquele que, pela primeira vez, rasgou os traiçoeiros mares em tão frágil embarcação;
viu a sua terra atrás de si e entregou a vida aos ventos inconstantes;
cortando as águas com uma rota incerta,
ousou confiar numa tábua precária,
desenhando-se uma tão ténue             
fronteira entre a vida e a morte.” (Medeia. Pag.57. COLEÇÃO AUTORES GREGOS E LATINOS: Serie textos, 2011. Sêneca, 4.AC/I.DC – 65.DC) 

   Nuvens! Tudo que vislumbro são nuvens; algumas azuis como o olhar da pequena que me espera em outras terras – amantes que se estimam asfixiam Cronos com a força que os músculos da vontade dispõem e rasgam o reino de Poseidon com a velocidade que a angustia proporciona – outras são rosas como o algodão doce que mamãe comprava nos parques de diversão que freqüentava na infância. Não sei porque os deixei de freqüentar! São divertidos, encantam; coisas de criança. Mas espere! Sou criança, de que modo não haveria de ser. Choro, sapateio – com pouca freqüência agora que pago aluguel, mas assim que assino o cheque corro para o quarto, tranco a porta e começo o show. Não há platéia, apenas eu e meus demônios. Continuo obcecado com as nuvens, como não haveria de ficar, são tão belas. Parecem macias, mas não são de comer. Que pena! Pé por pé vou me aproximando delas, a montanha é íngreme, mas já me habituei, olho para os lados; esquerda, direita; o piolet faz seu trabalho com louvor; uma gota de suor gélido escorre sobre a pele que cobre a face direita do aventureiro sem chupeta, aqui em cima é frio! Cheguei!
O bebê ressurgiu com saúde. Vitalidade que o faz despertar para um mundo entorpecido pela vitoria numérica dos idiotas. A esperança pela verdade se auto rejuvenesce, um futuro! Acredito no sono eterno, um infinito nada que nos alcançará, nada mais que um pleno repouso sobre a cama do tempo; fortuna lhe espera com os braços abertos, aconselho não a perder do horizonte.
Aqui do alto da montanha recordo os finais de semana passados ao som de Bee Gees. Saio do meu quarto, a casa é grande... Pequeno burguês? Pare com essa baboseira de luta histórica, os problemas do cotidiano são extremamente maiores que isso!...Corro pelo corredor que liga o quarto à sala principal, mãe e mana assistem televisão, passo por elas como um relâmpago, estou quase chegando, falta pouco; diminuo a velocidade ao passar pela sala de jantar, copa e cozinha chego à varanda transpirando abacaxi.  Círculos de fumaça desaparecem ao chocarem-se com o teto, o vento é gelado, isso não importa, pois estou agasalhado;  ordem de mãe;  desobedeça e verás jovem gafanhoto! Olhares se cruzam, ambos sabemos o que queremos, meu herói!...
Posso ver o cume de outras montanhas, não estou na mais alta, mas as arvores já não são visíveis. Fico a imaginar; dentre os pensamentos que surgem um se destaca, um homem, pensador, mestre; seu nome aparece como trovão, apaziguando o cotidiano, Zygmunt Bauman!
Seus passos são lentos, andar de homem velho, fisiologicamente defasado pela vida, mas como diria Sêneca, ao sábio nada falta. Não necessita de algo como premio. Aproxima-se da janela do escritório; um lugar limpo por livros, de Cervantes a Saramago, passando por Kafka e George Orwell; uma escrivaninha se destaca juntamente com a poltrona e a maquina de datilografar; fumaça circunda a boca da xícara com chá pela metade, ao lado maçã e bolachas aguardam o bote. O velho toma o chá, arranca um pedaço da maçã e após esfarelar três bolachas de uma só vez com suas mãos repletas de manchas pretas e rugas ondulares que dão forma a uma superfície repleta de obstáculos manda o pó ao pó. Encara a rua silenciosa, é final de semana, com o movimento nulo ouve-se a musica orquestrada pelo casal que namora na praça em frente, melodia construída a cada afago executado.
- Esqueça o destino: estar em movimento, e pular sobre os obstáculos ou afastá-los com um chute, é isso que da sabor a vida.* Rasgar a cortina, compreender a vida...Que significa isso?**
O velhote soltava as frases ao vazio do escritório, reciprocidade silenciosa era proporcionada pelos defuntos empoeirados. Isso não importava, continuava a ritual: um gole de chá, mordida na maça, encontro entre o pó da bolacha com o pó do individuo. O olhar continua atento, firme, profundo e afetuoso.
- Antes de agir, não há como ter certeza de que os erros não serão cometidos, assim como é impossível saber de antemão se, no fim do dia, teremos provado estar à altura das circunstâncias. O protesto não é a única atividade a que esta regra se aplica. Não há receitas para uma ação à prova de erros, totalmente confiável, “sucesso garantido ou seu dinheiro de volta”; quanto mais importantes forem as ações para nós e para os outros, mais incertos ou mais impossíveis de prever serão seus resultados. Ao contrário do que acontece quando você tenta abrir a embalagem da nova engenhoca da moda que acabou de comprar, as escolhas de vida não vêm com manual de instrução a seguir ponto a ponto. Viver é assumir riscos....*** Aceitar placidamente o mundo e colaborar com a acumulação de injustiças que contestamos com palavras também é uma escolha, tal qual o protesto e a resistência ativa que dirigimos contra as iniqüidades endêmicas que o mundo nos força a seguir de modo obediente. A vida só pode ser uma obra de arte se for uma vida humana, a vida de um ser humano, isto é, de um ser dotado de vontade e liberdade de escolha.****
Voltaire! Sim, ele percorre minha teia cerebral quando afirma que o homem não pode dar a si próprio nem sensações nem idéias, recebe tudo de fora; a dor e o prazer lhe vêm de fora, como sua existência. Gosto da idéia, embora acrescentaria a participação do interior que percorre o exterior ao término do processo tal como a transformação do gás carbônico em oxigênio pelas plantas ou do oxigênio a gás carbônico pelos animais. Ao longo do trajeto jogo todas as fixas que possuo no caráter, fator que nutri o destino com certa chama particular, um código de barras divino.
As nuvens definitivamente não são de algodão, mas que importa que sejam, elas estão ali contemplando a criação. Aqui do alto meu coração dispara, fico feliz em ter como grande mestre o homem que vislumbrei em seu escritório mofado, lá ele se despedia do dia, aqui eu começo a me despedir das nuvens, é necessário descer. Antes um ultimo suspiro, fôlego que a vida proporciona e que deve ser agarrada com total zelo. Tolos são os homens que não sabem saborear um prato refinado de comida...
A mesa estava posta, já era madrugada, acho que o ponteiro das horas riscava o numero três. A conversa fora longa, a comida em cima de mesa continuava a ser degustada, bebidas umedeciam a boca e uma boa brisa socava nossa cara; cachorros latiam ao fundo. Vizinhos podem ser insuportáveis quando deixam seus cachorros dançarem tango no quintal dos fundos, mas desta vez era diferente, os latidos eram belos, creio que uma grande virtude se esconde atrás das circunstancias mais inesperadas da vida. Agora descendo a montanha vejo uma cama de hospital, cabelos brancos está sentado em cima dela, respira com dificuldade, seu olhar se esvai ao longe.
- Vivemos em um mundo de tolos que nos destrói...
Sua fraca voz, muito ofegante, prosseguia dizendo:
- Como é grande meu amor por você...
Agora choro. Não acredito em metafísica, embora seja um leigo cósmico, mas confio nessa peculiaridade chamada amor.
O velhote mais uma vez surge como uma nuvem muito clara que se põe sobre a montanha. Sentado em sua poltrona cor de rubi, observa seus empoeirados livros enquanto bafora bolas de fumaça após algumas cachimbadas, não se abstém, dizendo em voz alta para eles:
- Eu acredito – e não vejo uma razão valida para rever essa crença – que é possível um mundo diferente e de alguma forma melhor do que o temos agora. Então, talvez eu pertença à terceira categoria – não sou nem otimista nem pessimista – que se mantém fora da querelle de famille; a categoria dos homens com esperança.*****
Estou no chão, daqui vejo a montanha grandiosa com todas as suas pedras, hora pontiagudas, hora lisas, subirem às nuvens; o sol irradia sua ultima brasa, não haverá outro dia como esse. Aqui do chão muito já me disseram sobre os homens e suas crenças; bando de hipócritas sem tino de sensatez. Considero o velhote um grande pai intelectual, primeiro de poucos que virão; uns dizem que ele pode ser considerado um “pensador para mulherzinhas”; para esses, recomendo deixar a bíblia dos ressentidos de lado e buscar nos medievos a honra que vos falta; há também aqueles que o consideram “auto-ajuda para donas de casa”; aconselho chorar de vez em quando debaixo do chuveiro com a água bem quente para destruir sua carga simbólica, fará mal à pele e bem ao espírito.
Quando conheci o velhote era um simples garoto perdido no tempo e nas idéias, agradeço imensamente por ter guiado meus pés para a montanha; mas em breve farei 18 anos e como consta em nossa constituição serei adulto. Maduro? Um homem de facto? Não, definitivamente ainda não. Guardarei seus ensinamentos na memória e tal ato por si só bastará. Grato velhote!
Meu querido cabelos brancos, a você mais que minha gratidão, meu amor incondicional e eterno; o nada que segue à frente entoara nossa prosa musicada e nossas reuniões semanais ficaram na memória da eternidade cósmica, um eterno nada que retumba algo que pode vir  a ser coisa, uma hipótese claro, mas configura-se em hipótese viva.
Com todo zelo que possuo pelo conhecimento faço da sentença de Nietzsche minhas palavras destinada aos parasitas que habitam e destroem vorazmente a tentativa reflexiva de meu tempo

“não levo em nenhuma consideração os eruditos contemporâneos e dou assim a impressão de contá-los no numero das coisas indiferentes. Mas se se quiser refletir tranquilamente sobre coisas sérias, não se deve ser incomodado por um espetáculo repugnante. Neste momento volto, contra minha vontade, os olhos para eles para lhes dizer que não me são indiferentes, mas que gostaria de bom grado que o fossem para mim.” (O Livro do Filosofo, Pág.65. NIETZSCHE)

         Estou em casa e uma tremenda vontade de dormir me domina; já é sábado; meu corpo desfalece e assim como os Argonautas enfrentaram os mares, enfrento as paredes do meu quarto. Uma breve recordação prediz um lindo sentimento, aguardemos seu despontar nas redondezas do coração; não somos pedras fixas para deixar de amar. Assim os sentimentos tornam-se prelúdios de simples gestos atemporais. Viva meu filho; apenas viva para a vida que ainda não te descobriu. As palavras servirão de adorno para seus lamentos, conforto às tumultuadas paixões e luz sobre inevitáveis contradições existenciais. Hoje sonharei com astros e nada mais.

Notas
1. Fragmento retirado do livro “Isto não é um diário”. Pág.08. Bauman, Zygmunt.
2. Fragmento retirado do livro “Isto não é um diário”. Pág. 64. Bauman, Zygmunt.
3. Fragmento retirado do livro “44 cartas do mundo liquido moderno”. Pág. 214. Bauman, Zygmunt.
4. Fragmento retirado do livro “44 cartas do mundo liquido moderno”. Pág. 215. Bauman, Zygmunt.
5. Fragmento retirado do livro “Capitalismo Parasitário”. Pág. 87-88. Bauman, Zygmunt.





  

5 comentários:

  1. a veces, las palabras inundan tu mente de imagenes, que de alguna manera te permiten proyectar aquel sentimiento, sacarlo del intimo espacio del corazón y transcribirlo con el mas profundo y noble sentimiento de quien haya experimientado, el amor producido por esa inmensidad. Eso es lo que has producido en el lector que sin conocer logra inmiscuirse en la narracion y viajar en aquellas nuves azules.

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  2. Clichê, enfadonho, mau escrito.

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  3. Texto custoso, mas remete esperança. Narrativa que denota uma torrente de pensamentos inacabados.

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  4. Me encantan tus texto! Esa confusion dentro de una linearidad! sos muy bonito.
    Admirador anonimo! :)

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  5. "Pequeno burguês? Pare com essa baboseira de luta histórica, os problemas do cotidiano são extremamente maiores que isso!..."

    Seriam os problemas relacionados ao "SER", então, mais importantes??
    Faz-me rir!
    Basta de divagações jogadas ao vento! Pragmatismo já!

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