“Demasiado audacioso
aquele que, pela primeira vez, rasgou os traiçoeiros mares em tão frágil
embarcação;
viu a sua terra
atrás de si e entregou a vida aos ventos inconstantes;
cortando as águas
com uma rota incerta,
ousou confiar numa
tábua precária,
desenhando-se
uma tão ténue
fronteira
entre a vida e a morte.” (Medeia.
Pag.57. COLEÇÃO AUTORES GREGOS E LATINOS: Serie textos, 2011. Sêneca, 4.AC/I.DC
– 65.DC)
O
bebê ressurgiu com saúde. Vitalidade que o faz despertar para um mundo entorpecido
pela vitoria numérica dos idiotas. A esperança pela verdade se auto
rejuvenesce, um futuro! Acredito no sono eterno, um infinito nada que nos
alcançará, nada mais que um pleno repouso sobre a cama do tempo; fortuna lhe
espera com os braços abertos, aconselho não a perder do horizonte.
Aqui
do alto da montanha recordo os finais de semana passados ao som de Bee Gees. Saio do meu quarto, a casa é
grande... Pequeno burguês? Pare com essa baboseira de luta histórica, os
problemas do cotidiano são extremamente maiores que isso!...Corro pelo corredor
que liga o quarto à sala principal, mãe e mana assistem televisão, passo por
elas como um relâmpago, estou quase chegando, falta pouco; diminuo a velocidade
ao passar pela sala de jantar, copa e cozinha chego à varanda transpirando
abacaxi. Círculos de fumaça desaparecem
ao chocarem-se com o teto, o vento é gelado, isso não importa, pois estou
agasalhado; ordem de mãe; desobedeça e verás jovem gafanhoto! Olhares se
cruzam, ambos sabemos o que queremos, meu herói!...
Posso
ver o cume de outras montanhas, não estou na mais alta, mas as arvores já não
são visíveis. Fico a imaginar; dentre os pensamentos que surgem um se destaca,
um homem, pensador, mestre; seu nome aparece como trovão, apaziguando o
cotidiano, Zygmunt Bauman!
Seus
passos são lentos, andar de homem velho, fisiologicamente defasado pela vida,
mas como diria Sêneca, ao sábio nada
falta. Não necessita de algo como premio. Aproxima-se da janela do
escritório; um lugar limpo por livros, de Cervantes a Saramago, passando por
Kafka e George Orwell; uma escrivaninha se destaca juntamente com a poltrona e
a maquina de datilografar; fumaça circunda a boca da xícara com chá pela
metade, ao lado maçã e bolachas aguardam o bote. O velho toma o chá, arranca um
pedaço da maçã e após esfarelar três bolachas de uma só vez com suas mãos
repletas de manchas pretas e rugas ondulares que dão forma a uma superfície
repleta de obstáculos manda o pó ao pó. Encara a rua silenciosa, é final de
semana, com o movimento nulo ouve-se a musica orquestrada pelo casal que namora
na praça em frente, melodia construída a cada afago executado.
-
Esqueça o destino: estar em movimento, e pular sobre os obstáculos ou
afastá-los com um chute, é isso que da sabor a vida.* Rasgar a cortina, compreender a vida...Que significa isso?**
O
velhote soltava as frases ao vazio do
escritório, reciprocidade silenciosa era proporcionada pelos defuntos empoeirados.
Isso não importava, continuava a ritual: um gole de chá, mordida na maça,
encontro entre o pó da bolacha com o pó do individuo. O olhar continua atento,
firme, profundo e afetuoso.
-
Antes de agir, não há como ter certeza de que os erros não serão cometidos,
assim como é impossível saber de antemão se, no fim do dia, teremos provado
estar à altura das circunstâncias. O protesto não é a única atividade a que
esta regra se aplica. Não há receitas para uma ação à prova de erros,
totalmente confiável, “sucesso garantido ou seu dinheiro de volta”; quanto mais
importantes forem as ações para nós e para os outros, mais incertos ou mais
impossíveis de prever serão seus resultados. Ao contrário do que acontece
quando você tenta abrir a embalagem da nova engenhoca da moda que acabou de
comprar, as escolhas de vida não vêm com manual de instrução a seguir ponto a
ponto. Viver é assumir riscos....***
Aceitar placidamente o mundo e colaborar com a acumulação de injustiças que
contestamos com palavras também é uma escolha, tal qual o protesto e a
resistência ativa que dirigimos contra as iniqüidades endêmicas que o mundo nos
força a seguir de modo obediente. A vida só pode ser uma obra de arte se for
uma vida humana, a vida de um ser
humano, isto é, de um ser dotado de vontade e liberdade de escolha.****
Voltaire!
Sim, ele percorre minha teia cerebral quando afirma que o homem não pode dar a si próprio nem sensações nem idéias, recebe tudo
de fora; a dor e o prazer lhe vêm de fora, como sua existência. Gosto da
idéia, embora acrescentaria a participação do interior que percorre o exterior
ao término do processo tal como a transformação do gás carbônico em oxigênio
pelas plantas ou do oxigênio a gás carbônico pelos animais. Ao longo do trajeto
jogo todas as fixas que possuo no caráter, fator que nutri o destino com certa
chama particular, um código de barras divino.
As
nuvens definitivamente não são de algodão, mas que importa que sejam, elas
estão ali contemplando a criação. Aqui do alto meu coração dispara, fico feliz
em ter como grande mestre o homem que vislumbrei em seu escritório mofado, lá
ele se despedia do dia, aqui eu começo a me despedir das nuvens, é necessário
descer. Antes um ultimo suspiro, fôlego que a vida proporciona e que deve ser
agarrada com total zelo. Tolos são os homens que não sabem saborear um prato
refinado de comida...
A
mesa estava posta, já era madrugada, acho que o ponteiro das horas riscava o
numero três. A conversa fora longa, a comida em cima de mesa continuava a ser
degustada, bebidas umedeciam a boca
e uma boa brisa socava nossa cara; cachorros latiam ao fundo. Vizinhos podem ser
insuportáveis quando deixam seus cachorros dançarem tango no quintal dos
fundos, mas desta vez era diferente, os latidos eram belos, creio que uma
grande virtude se esconde atrás das circunstancias mais inesperadas da vida.
Agora descendo a montanha vejo uma cama de hospital, cabelos brancos está sentado em cima dela, respira com dificuldade,
seu olhar se esvai ao longe.
-
Vivemos em um mundo de tolos que nos destrói...
Sua
fraca voz, muito ofegante, prosseguia dizendo:
-
Como é grande meu amor por você...
Agora
choro. Não acredito em metafísica, embora seja um leigo cósmico, mas confio
nessa peculiaridade chamada amor.
O
velhote mais uma vez surge como uma nuvem
muito clara que se põe sobre a montanha. Sentado em sua poltrona cor de rubi,
observa seus empoeirados livros enquanto bafora bolas de fumaça após algumas cachimbadas,
não se abstém, dizendo em voz alta para eles:
-
Eu acredito – e não vejo uma razão valida para rever essa crença – que é
possível um mundo diferente e de alguma forma melhor do que o temos agora.
Então, talvez eu pertença à terceira categoria – não sou nem otimista nem
pessimista – que se mantém fora da querelle
de famille; a categoria dos homens com esperança.*****
Estou
no chão, daqui vejo a montanha grandiosa com todas as suas pedras, hora
pontiagudas, hora lisas, subirem às nuvens; o sol irradia sua ultima brasa, não
haverá outro dia como esse. Aqui do chão muito já me disseram sobre os homens e
suas crenças; bando de hipócritas sem tino de sensatez. Considero o velhote um grande pai intelectual,
primeiro de poucos que virão; uns dizem que ele pode ser considerado um “pensador
para mulherzinhas”; para esses, recomendo deixar a bíblia dos ressentidos de lado e buscar nos medievos a honra que
vos falta; há também aqueles que o consideram “auto-ajuda para donas de casa”;
aconselho chorar de vez em quando debaixo do chuveiro com a água bem quente para
destruir sua carga simbólica, fará mal à pele e bem ao espírito.
Quando
conheci o velhote era um simples
garoto perdido no tempo e nas idéias, agradeço imensamente por ter guiado meus
pés para a montanha; mas em breve farei 18 anos e como consta em nossa
constituição serei adulto. Maduro? Um homem de facto? Não, definitivamente ainda não. Guardarei seus ensinamentos
na memória e tal ato por si só bastará. Grato velhote!
Meu
querido cabelos brancos, a você mais
que minha gratidão, meu amor incondicional e eterno; o nada que segue à frente entoara
nossa prosa musicada e nossas reuniões semanais ficaram na memória da
eternidade cósmica, um eterno nada que retumba algo que pode vir a ser coisa,
uma hipótese claro, mas configura-se em hipótese
viva.
Com
todo zelo que possuo pelo conhecimento faço da sentença de Nietzsche minhas
palavras destinada aos parasitas que habitam e destroem vorazmente a tentativa
reflexiva de meu tempo
“não levo em nenhuma consideração os eruditos contemporâneos e dou assim a impressão de contá-los no numero das coisas indiferentes. Mas se se quiser refletir tranquilamente sobre coisas sérias, não se deve ser incomodado por um espetáculo repugnante. Neste momento volto, contra minha vontade, os olhos para eles para lhes dizer que não me são indiferentes, mas que gostaria de bom grado que o fossem para mim.” (O Livro do Filosofo, Pág.65. NIETZSCHE)
Estou em casa e uma tremenda vontade de dormir me domina; já é sábado; meu corpo desfalece e assim como os Argonautas enfrentaram os mares, enfrento as paredes do meu quarto. Uma breve recordação prediz um lindo sentimento, aguardemos seu despontar nas redondezas do coração; não somos pedras fixas para deixar de amar. Assim os sentimentos tornam-se prelúdios de simples gestos atemporais. Viva meu filho; apenas viva para a vida que ainda não te descobriu. As palavras servirão de adorno para seus lamentos, conforto às tumultuadas paixões e luz sobre inevitáveis contradições existenciais. Hoje sonharei com astros e nada mais.
Notas
1. Fragmento
retirado do livro “Isto não é um diário”.
Pág.08. Bauman, Zygmunt.
2. Fragmento
retirado do livro “Isto não é um diário”.
Pág. 64. Bauman, Zygmunt.
3. Fragmento
retirado do livro “44 cartas do mundo
liquido moderno”. Pág. 214. Bauman, Zygmunt.
4. Fragmento
retirado do livro “44 cartas do mundo
liquido moderno”. Pág. 215. Bauman, Zygmunt.
5. Fragmento
retirado do livro “Capitalismo
Parasitário”. Pág. 87-88. Bauman, Zygmunt.
a veces, las palabras inundan tu mente de imagenes, que de alguna manera te permiten proyectar aquel sentimiento, sacarlo del intimo espacio del corazón y transcribirlo con el mas profundo y noble sentimiento de quien haya experimientado, el amor producido por esa inmensidad. Eso es lo que has producido en el lector que sin conocer logra inmiscuirse en la narracion y viajar en aquellas nuves azules.
ResponderExcluirClichê, enfadonho, mau escrito.
ResponderExcluirTexto custoso, mas remete esperança. Narrativa que denota uma torrente de pensamentos inacabados.
ResponderExcluirMe encantan tus texto! Esa confusion dentro de una linearidad! sos muy bonito.
ResponderExcluirAdmirador anonimo! :)
"Pequeno burguês? Pare com essa baboseira de luta histórica, os problemas do cotidiano são extremamente maiores que isso!..."
ResponderExcluirSeriam os problemas relacionados ao "SER", então, mais importantes??
Faz-me rir!
Basta de divagações jogadas ao vento! Pragmatismo já!