15.5.13

MEU NOME É HANNA


Quadros de Chico Buarque, Rita Lee, Jhonny Depp fazem parceria com o pôster de Che Guevara na missão de enfeitar as paredes recentemente pintadas nas cores amarelo e cinza. O espaço é pequeno, uma cama de solteiro ocupa a metade do território, a outra metade é preenchida por um guarda roupa branco recém adquirido, uma escrivaninha caramelo finda a ordenação. O rangido da porta inicia-se. Entra, senta, olha para o livro deitado sobre o notebook, “Como sobreviver em um mundo brega: dicas de saúde, lazer, moda e relacionamento”. Suas mãos abraçam o livro, colocando-o no cume da pequena montanha de papeis no canto direito da mesa. Liga o notebook, fone de ouvido ativado, olhos atentos. A tela brilha! Um link casual nas atualizações do  facebook  chama  atenção, acessa, o nome do site é Espaço Vesânico, um artigo lhe causa curiosidade, começa a leitura em voz sussurrada...
“Noites Brancas, esse nome remete meu gosto intelectual a um conto de Fiódor Dostoiévski; homem trágico, repleto de vícios, mas sedento por compreensão, ele se faz esbaforido no meio de tanta maldição. Ao definir a vontade proporcionada pelo gozo através da sublimação - Meu Deus! Um momento de felicidade! Sim! Não será isso o bastante para preencher a vida? Faz o russo definir a condição de amar e ser amado.
Se amor é uma das condições existências que fazem o humano pulsar em meio a tanta calamidade existencial, a recusa de tal sentimento torna-se algo completamente inverossímil. Pertencemos a uma geração que recusa fomentar sentimentos cancerígenos? Conjecturamos-nos da mesma forma que o herói de Robert Musil, Ulrich, é construído no romance ‘O homem sem qualidades’? Seriamos então ‘O homem sem coragem’?
Considero você e sua turma do pátio ginasial um bando de frouxos, sedentos por prazer, mas incapazes de se arriscar na mais dolorosa missão em ventura da beleza. Confesso que me considero uma mescla do jovem sonhador do conto já citado de Dostoiévski com Don Juan, protagonista blasfemo da obra de Molière; ainda faço parte do bando de frouxos. Culpa? O que seria de nós sem ela!
No conto encontramos um rapaz tímido, que raramente obteve contato com pessoas (acesso nulo às mulheres), deixando-o completamente improdutivo na área de se relacionar, mas isso não o impossibilitou amar; ao encontrar a jovem donzela Nástienhka o câncer aparece. Sintoma chamado amor, que fere, cicatriza, mata e ressuscita quem eleva tal sentimento ao mais alto pedestal da nobreza. O conto nos faz perceber ao âmbito do amor quanto tal manifestação nos custa caro e ao mesmo tempo proporciona o minuto de felicidade que nossa insuficiência cósmica sempre buscou. Todavia a obra de Molière expõe a velocidade que destrói os vínculos, através de Don Juan, enamorado compulsivo do gozo pelo gozo, não agregando responsabilidade aos atos desenvolvidos por sua personalidade surda às censuras de outrem. A defesa que Don Juan faz de suas ações remete à defesa contemporânea de um mundo reticente a relacionamentos

'Você pretende que uma pessoa se ligue definitivamente a um só objeto de paixão, como se fosse o único existente? Depois disso renunciar ao mundo, ficar cego para todas as outras formosuras? Bela coisa, sem dúvida, uma pessoa em plena juventude enterrar-se para sempre na cova de uma sedução, morto para todas as belezas do mundo em forma de mulher. Tudo em nome de uma honra artificial que chamam fidelidade? Ser fiel é ridículo, tolo, só serve aos medíocres. Todas as belas têm direito a um instante de nosso encantamento.' (Don Juan, pagina.05. Tradução e Adaptação: Millôr Fernandes).

Neste ambiente a obra do sociólogo polonês Zygmunt Bauman nos traz um diagnostico cirúrgico sobre a condição dos vínculos na Modernidade Liquida. Bauman faz analogia entre os relacionamentos e os produtos do mercado consumidor, ambos tendem a ser cada vez mais desprovidos de valor, comprometimento e tradição; cria-se uma condição de objeto descartável, pronto para a lixeira, prateleiras contaminadas pelo desejo tendo a morte como ferramenta inerente.

‘Se o desejo quer consumir, o amor quer possuir’ (Amor Liquido, pagina. 24. BAUMAN)

Creio que Søren Kierkegaard estava repleto de razão ao afirmar durante todo o livro ‘O Matrimonio’ que o amor é maior aos simplórios e infantis finais das histórias românticas, todos que amam o sabem por certo, amar não nos leva a um final de felicidade plena, tal como o grego Aristóteles nos disse em ‘ Ética a Nicómaco’; uma só andorinha não faz a Primavera, nem um só dia formoso; e não pode tão-pouco dizer-se que um só dia de felicidade, nem mesmo uma temporada, bastam para fazer um homem ditoso e afortunado. A vida deve ser calcada por inteira, para isso é necessário comprometimento com o outro, a espera pode ser de fundamental importância ao combate contra uma vida canalha ornamentada por episódios vazios.

‘por que é o selo da eternidade o que distingue o amor da voluptuosidade.’ (O Matrimonio, pagina.18. KIERKEGAARD)

Amar pode significar diversas possibilidades epistemológicas em um mundo, ao meu ver, atormentado e impossibilitado pelo relativismo. Gosto do amor heróico , amor que destrói a alma, ferindo com toda posse que reciprocamente é demandada, medicando com a grande sensibilidade que é ofertada. Uma cena que traz a tona o que explano é o clímax do filme ‘A vida secreta das palavras’, da diretora Isabel Coixet. Quando a meiga e aguerrida enfermeira Hanna interpretada por Sarah Polley conta a seu paciente Josef, interpretado por Tim Robbins, os horrores físicos e psicológicos que sofreu durante a guerra dos Bálcãs – eles se conhecem quando, ao tirar férias, Hanna decidi trabalhar como enfermeira em uma plataforma petrolífera, exercendo a tarefa de zelar pela saúde de Josef, que sofre graves queimaduras ao tentar salvar a vida do melhor amigo. Ao longo da história descobrimos que Josef estava tendo relações intimas com a mulher do amigo, depois de contar o fato ao traído, este resolve cometer suicídio no momento que uma bolsa de gás explode durante o trabalho de perfuração, Josef tenta salva-lo, não consegue, o marido morre e o amante fica temporariamente cego, alem de sofrer graves queimaduras por todo o corpo. Ambos estão envoltos sobre uma nuvem de tragédia, mas como dito por Dostoiévski, ao sermos infelizes ficamos mais aptos a compreender o sofrimento alheio; a nossa sensibilidade, assim, não se degrada, mas, pelo contrário, condensa-se e acumula-se.
 Condensados pelas maculas que a vida lhes golpeou o amor nasce, a responsabilidade reina de forma soberana. O afeto se faz na escuridão que o silêncio proporciona, refutando qualquer possibilidade de superficialidade promovida em um mundo que se contenta com o vácuo.”
Fim do artigo, o dedo indicador sobre o mouse clica no botão esquerdo, a página fecha, o facebook permanece em estado online, as janelas de bate-papo latejam por atenção, as atualizações aumentam com o avanço dos segundos. Instantaneidade! Frivolidade! No peito do ser que olha para a tela cresce um vazio descomunal rodeado pelo desejo insaciável da novidade, a voz joga ao vento gélido de uma noite invernal um nome que amedronta os convalescidos do jardim da desonra:
- Hamlet...

                                                                                        

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