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9.6.13

POLÍTICAS PÚBLICAS E DEMOCRACIA PARTICIPATIVA: UMA PERSPECTIVA TEÓRICA


Resumo

O objetivo do artigo é apresentar, de maneira normativa, duas visões de democracia, uma minimalista e outra maximalista, a respeito de uma possível participação política da sociedade na formação de políticas públicas. Por meio de algumas ideias minimalistas, apresentarei algumas críticas direcionadas ao ideal de um “bem comum” e de uma vontade sistematizada da sociedade como um todo. E a atuação dos Policy Makers como elaboradores de políticas públicas, e dos burocratas como administradores de tais políticas. Em contrapartida, através de ideias maximalistas, falarei sobre a possibilidade de maior participação por parte da sociedade civil, em busca de uma convergência de interesses, para a elaboração de políticas públicas e, por conseguinte, de uma “vontade geral”. Através de uma análise teórica, descreverei o significado de políticas públicas na prática e sua relação com o atual processo de consolidação de uma democracia participativa na pós-modernidade.

Palavras-chave
: Democracia; Participação democrática; Políticas Públicas.



1.            INTRODUÇÂO

Nos dias atuais, em sociedades pós-modernas, a democracia pode ser considerada o regime de governo mais almejado. Dela decorrem as ideias de auto-governo do “povo”, ou “governo potencialmente de todos”, como diria Sartori. Num regime de governo democrático, os indivíduos, teoricamente, tem a capacidade de, por meio de pequenos grupos ou coalizões políticas, levar os anseios da sociedade adiante no Estado, para que assim os representantes eleitos possam elaborar e administrar políticas públicas que lhes sejam favoráveis, e atendam à “vontade geral”.
Joseph Schumpeter, um dos mais importantes economista da primeira metade do século XX, em crítica a ideia de “bem comum”, diz:
“Não existe algo que seja um bem comum unicamente determinado, sobre os quais todas as pessoas concordem ou seja levadas a concordar através de argumentos racionais. Isso se deve, basicamente, não ao fato de algumas pessoas poderem desejar coisas diferentes do bem comum, mas ao fato muito mais fundamental de que, para diferentes indivíduos e grupos, o bem comum está fadado a significar diferentes coisas.”
 (SCHUMPETER, 1942, p. 314-315).

Em suma, Schumpeter acredita não haver a possibilidade de adequação dos interesses de uma sociedade para geração de uma “vontade geral”. O minimalismo Schumpeteriano é compartilhado por mais autores, como G. Sartori, N. Bobbio e R. Dahl, os quais serão importantes para a formação da crítica a respeito de uma atuação participativa direta da sociedade, por meio da opinião pública, para elaboração de políticas públicas, como acreditava ser possível os maximalistas, os quais serão descritos com mais precisão no decorrer deste artigo.

2.            POLÍTICAS PÚBLICAS
Não há uma única definição de políticas públicas. No entanto, neste artigo vou ressaltar seu papel prático, como ações derivadas do Estado que cumprem o objetivo de atender a determinados anseios da sociedade. Os autores minimalistas diriam que os únicos interesses que os formuladores de políticas públicas desejam atender são os seus próprios, já que a sociedade não possui uma vontade comum. Sendo assim, as políticas públicas seriam um meio de sanar problemas existentes na sociedade.
“Críticos dessas definições, que superestimam aspectos racionais e procedimentais das políticas públicas, argumentam que elas ignoram a essência da política pública, isto é, o embate em torno de idéias e interesses. Pode-se também acrescentar que, por concentrarem o foco no papel dos governos, essas definições deixam de lado o seu aspecto conflituoso e os limites que cercam as decisões dos governos. Deixam também de fora possibilidades de cooperação que podem ocorrer entre os governos e outras instituições e grupos sociais.”
(SOUZA, 2006, p. 25)


Com respeito à referência acima, devo atentar para as últimas palavras da autora, ao dizer que as definições a respeito de políticas públicas como sendo um meio de sanar problemas “deixa de fora a possibilidade de cooperação que podem ocorrer entre os governos e outras instituições e grupos sociais.” E é sobre tal relação de cooperação que Easton (1965) se referia ao afirmar que as políticas públicas são uma espécie de sistema, ou seja, há uma relação entre os Policy Makers, resultados e o ambiente. Segundo ele, “as políticas públicas recebem os inputs dos partidos, da mídia e dos grupos de interesse, que influenciam seus resultados e efeitos.” ( SOUZA, 2006, p. 24)
A sociedade quando organizada em pequenos grupos de interesses ou associações civis pode ter um papel importante de influencia nas ações dos Policy Makers. Os interesses que são discutidos na esfera política, derivados por sua vez de uma série de outros interesses individuais que, como numa soma vetorial, agregaria todos os valores dispostos em cada um dos indivíduos, resultando em uma “vontade geral”.

3.           RELAÇÃO ENTRE POLÍTICAS PÚBLICAS E DEMOCRACIA PARTICIPATIVA
A democracia participativa é o regime que busca a efetividade dos mecanismos de controle da sociedade civil por meio da administração pública, ampliando a noção de democracia e de ação democrática para a esfera social.
Para os maximalistas, os princípios da inclusão, do pluralismo, da igualdade participativa, da autonomia e da justiça social, como diz L. Lüchmann, são as principais características de uma democracia participativa. Segundo a teoria participativa desenvolvida por C. Pateman:
Pode-se caracterizar o modelo participativo como aquele em que se exige o input máximo (participação) e em que o output inclui não apenas políticas (decisões), mas também o desenvolvimento das capacidades sociais e políticas de cada indivíduo, de tal forma que exista um "feedback" do output para o input. (PATEMAN, 1990, p. 43)
A autora utiliza como fonte teórica de sua teoria, a ideia de participação direta de Rousseau, para falar a respeito de efeitos psicológicos positivos que essa participação pode gerar nos indivíduos. A participação direta geraria então maior integração social por conta da convergência entre interesses particulares e coletivos em busca de uma “vontade geral”. No entanto, para haver essa empatia entre os indivíduos, é necessário haver também uma relativa igualdade sócio-econômica, para que não haja certas relações e poder ou dominação decorrentes e nem mesmo a venda de opiniões. Por meio dessa convergência dos interesses então, há uma maior legitimidade das decisões tomadas entre os indivíduos. Pateman aproveita a ênfase que S. Mill da à esfera local como fonte de treinamento, onde se deveria trazer a participação direta, a qual geraria motivação nos indivíduos, em contraponto a Schumpeter, que afirmava serem os indivíduos incapazes de sistematizar seus interesses. A solução para uma evidente apatia política da sociedade seria então democratizar as esferas não políticas, como instituições de ensino, a família, e principalmente o trabalho, ao qual G. H. Cole dá ênfase.
Havendo então uma participação efetiva da sociedade por meio dos mecanismos ofertados pelo Estado, e também por meio do associativismo e grupos de interesses, esses poderão atuar de maneira mais incisiva na esfera pública em busca do tão almejado “bem comum”.
O autor J. Habermas, em sua teoria deliberativa da democracia fala a respeito da esfera pública, lugar onde os indivíduos, imbuídos de diferenças sociais, por intermédio de grupos, deliberam a respeito de interesses coletivos. A esfera pública tem o poder consultivo e de pressão que age sobre o sistema, onde se encontra o Estado e o mercado. Em contraposição aos autores minimalistas, Habermas diz que quando a esfera pública atende aos critérios de  publicidade (sendo estes: 1. modo como deliberam; 2. quem delibera; 3. escopo das questões debatidas; 4. razões apresentadas), a opinião pública pode então ser considerada racional, pois não há relação de poder e dominação na esfera pública entre os participantes, nem por parte de qualquer intruso que faça parte do sistema.
3.1         FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: SOCIEDADE CIVIL, POLICY MAKERS E BUROCRATAS
Após análise teórica entre maximalismo e minimalismo, é possível constatar que por meio de um regime democrático participativo, seria possível a sociedade civil ter capacidade de, na esfera pública, deliberar racionalmente a respeito de interesses particulares e coletivos, que por sua vez convergirão para criação de vontades coletivas representadas por uma série de grupos e associações civis, que levarão essas aos Policy Makers, os quais então terão um papel importante a cumprir, como fora dito anteriormente.
Elisa P. Reis, Ph.D. em Political Science no Massachusetts Institute of Technology, e atualmente, professora titular de Sociologia política na Universidade Federal do Rio de Janeiro, trabalha em seu artigo Política e Políticas Públicas na Transição Democrática, as concepções de Política e políticas públicas, através de inspirações weberianas, considerando os burocratas ou administradores, e os políticos ou lideres representativos (REIS, 2010). A ação dos burocratas, de acordo com E. Reis é em contrapartida à dos formuladores, a de administrar “firme e fielmente as ordens que recebeu de autoridades superiores – do estado burocratizado, racional-legal - a ponto de internalizá-las e torná-las quase uma convicção pessoal”.
A partir de um estudo a respeito da atuação desses dois atores, policy makers e Burocratas, nos Estados Unidos e alguns países da Europa, E. Reis definiu quatro perfis específicos para retratar a atuação dos políticos e dos burocratas como formuladores de políticas. Constatou que a formação de um tipo “híbrido puro”, que funde completamente os traços burocráticos e políticos é inevitável. Em suma, ela afirma que embora a burocracia seja preponderante para a manutenção da democracia, podendo tanto quanto a liderança política, agregar interesses, esta também encontra algumas limitações a medida do caminho. A agregação de interesse discrimina contra interesses não organizados; tende a limitar-se no âmbito de setores funcionais particulares, fazendo uma mediação segmental de interesses, no entanto, incapaz de articular interesses intersetoriais; por fim, a participação administrativa no processo de formulação de políticas revelasse conservadora, pelo fato de agregar interesses que firmam a correlação de forças existentes. É como se os burocratas garantissem a estabilidade, e os políticos, a inovação e a criatividade em suas formulações de políticas públicas (REIS, 2010).
A autora conclui seu artigo afirmando que parece claro que é da própria não-cristalização de forças sociais que a democracia retira sua força ideológica para fazer o contrapeso do impacto sedimentador da burocracia. É esse desafio de reconciliar interesses contrários que faz da Política um recurso estratégico valioso. Mesmo que sempre tentando fazer o impossível, e que apenas alguns participem, em última instância ainda, do processo de políticas públicas (REIS, 2010).
Acredito que a atuação da sociedade civil na esfera pública, não se limita à pressão que esta causa no sistema, composto pelo Estado e o mercado. Mas à medida que a democratização de esferas não políticas se fizer presente, e as pessoas passarem a participar de associações civis, estas possuirão maior consciência política. O cientista político R. Putnam (2000), fala a respeito de tal consciência, devido à participação democrática no caso da Italia. Esta incute em seus membros hábitos de cooperação, solidariedade e espírito público no âmbito interno. Os indivíduos têm mais confiança social, participação política e “competência cívica subjetiva”. No âmbito externo, afirma R. Putnam, “essa “articulação de interesses” e a “agregação de interesses”, intensificados por redes de associações secundarias, ao mesmo tempo incorpora e promove a colaboração social.” Para Putnam, o associativismo é a precondição necessária para o governo democrático.

4.            CONCLUSÃO

 Por fim, acredito que a democratização das instituições de ensino seria a melhor opção a médio e longo prazo, para que nas próximas décadas, tanto em países em desenvolvimento, quanto nos quais se encontram num estado de desenvolvimento político-econômico elevado, estes possam permanecer constantes na busca pelo ideal democrático, apresentado por R. Dahl (1997), e gerar uma participação mais efetiva da sociedade perante o Estado, contribuindo para a formulação e, quem sabe um dia até fiscalização das políticas públicas. Só assim haverá um real feedback, como dito por Pateman, entre os inputs e outputs, ou seja, entre participação e decisão. Com uma cultura política desenvolvida desde os primeiros anos nas instituições de ensino, os futuros cidadãos terão maior consciência política e participação, e os representantes políticos eleitos maior accountability perante a sociedade.

  
REFERENCIAS


DAHL, R. A. (1997). Poliarquia: participação e oposição. São Paulo, Editora EDUSP.

PUTNAM, R. D. (2000). Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro, Editora FGV.

PATEMAN, C. (1990). Participação e teoria democrática. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra.

SCHUMPETER, J. (1984). Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Zahar Editores.

BOBBIO, N. (1987). Estado, governo e sociedade: para uma teoria geral da política. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra

LÜCHMANN, Lígia Helena Hahn. Possibilidades e limites da democracia deliberativa: a experiência do orçamento participativo de Porto Alegre / Lígia Helena Hahn Lüchmann . Campinas, SP : (s. n.), 2002. Orientador: Rachel Meneguello. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

SARTORI, Giovanni – "Democracia governada e democracia governante", in: A teoria da democracia revisitada. V. 1. São Paulo: Editora Ática, 1994. pp. 123-180

SOUZA, Celina. Políticas Públicas: uma revisão da literatura. In: Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16, jul/dez 2006, p. 20-45

REIS, Elisa Pereira. Política e políticas públicas na transição democrática.1988. Seminário Internacional sobre O Estado e as Políticas Públicas na Transição Democrática Recife, 18-20 de Maio de 1988



             Evilazio de Queiroz Pita Coelho, acadêmico do curso de Relações Internacionais e Ciência Política pelo Centro Universitário UNINTER, em Curitiba, no Paraná. Email: evilazio.coelho10@gmail.com.

15.5.13

JUSTIÇA, IGUALDADE E DIFERENÇAS



                      Em meu primeiro trabalho como colunista do blog Espaço Vesânico, proponho um tema que a alguns intriga e em outros gera apatia, pela falta de vontade de matutar a respeito. Mas tal apatia é, inevitável, e em certos níveis aceitável, contribuindo assim para estabilidade do sistema das relações sociais, assim como afirma J. Schumpeter a respeito da Teoria procedimental da Democracia.

            É dito que a justiça é um conceito relativo, variado de acordo com os Países, Estados, culturas, etc. No entanto, ao pensar tal questão, algo me vem em mente: quão relativo é o conceito de justiça no que se refere as relações sociais e a distribuição de renda? Impossibilitado então de, por meio de um simples texto, definir todas as complexas variantes do conceito de Justiça, levanto uma questão que, quem sabe, ainda não tenha sido analisada: Qual posicionamento seria mais justo: tratar todos os indivíduos de maneira igual, privando a todos e beneficiando a todos de forma igual, ou, tratar cada um da forma que merece? Merecimento tal, creditado a cada um mediante uma construção social que envolve a todos inseridos numa comunidade ou grupo social.
Ao abstrair sobre tal temática e, serem geradas sinapses que me permitem moldar e cristalizar as ideias, proponho chegar ao amago da questão apresentado uma pequena metáfora:

            Em uma “sociedade”, tribal constituída em sua maioria por nativos de estatura baixa e tranco largo, e a minoria de estatura alta e tronco estreito, escolhem um novo chefe, que ajudaria a guiar e decidir questões de toda a tribo. O novo chefe era sábio  Sempre que lhe traziam alguma questão complexa ele prontamente resolvia e sua imagem de líder era dia após dia elevada. Certa feita, um grupo de antropólogos inseriu-se na tribo para estuda-los. O chefe, com toda sua sabedoria permitiu, crendo que assim demostraria seu carisma aos visitantes e um bom coração a tribo. Juntamente com os antropólogos  vieram dois arquitetos. Estes, após alguns dias na tribo, viram a “necessidade” de serem construídas portas nas malocas dos nativos. Ao chegarem ao grande e sábio chefe, lhe apresentam a proposta. No entanto algo não estava de acordo. As portas, ou seriam altas e estreitas, ou baixas e largas. Visto que os nativos aderiam a ideia e pressionavam juntamente com os arquitetos, o chefe para que desse uma resposta, este viu-se preocupado.
            Qual seria a solução? O chefe não estava preparado para tal questão, no entanto ao meditar sobre ela, percebeu que a solução seria beneficiar alguns em detrimento de outros. Como os nativos altos eram os que possuíam maior prestigio na tribo, eles ficariam com as portas nas malocas, e os nativos baixos não receberiam o beneficio. Nesse meio tempo, os nativos baixos vieram reclamar os motivos do seu amado e venerado chefe e líder não os beneficiar também com as tais portas das malocas. O chefe disse que não seria possível pois não seria justo com os nativos de estatura alta se todos possuíssem portas largas e baixas. O nativo se posicionando disse que não seria justo para com os baixos não poderem entrar em casa pois suas portas não seriam largas para seus ombros. O chefe, viu que cometera um grave erro, não pensou no bem geral, mas no bem particular. Após dois dias meditando o chefe percebeu que a melhor solução seria, portas largas e baixas aos nativos baixos e largos, e portas altas e estreitas aos nativos altos e estreitos de ombros. De tal forma todos seriam beneficiados e ninguém entraria em atrito. Mantendo-se a boa visão que possuíam do chefe tribal.

            Nessa breve e simplista metáfora, percebe-se que o chefe, escolhido pela tribo poderia desde o principio ter optado por beneficiar a ambos os tipos de nativos, cada um da forma que mereciam ser. No entanto, como não havia até então a necessidade de pensar tal questão, não os via com estruturas diferentes, pois todos possuíam malocas similares, com grandes buracos na entrada.
            Beneficiar a todos os indivíduos de uma sociedade de forma igual é menos justo que compreender as necessidades particulares de cada um, e só assim então fornecer o beneficio. Muitos afirmam que a igualdade é permitir que todos tenham acesso de forma igual a objetos, serviços e benefícios iguais. No entanto, ao compreender o caso dos nativos na tribo, vemos que na sociedade que vivemos é da mesma forma. Existem indivíduos que possuem capacidade e necessidades diferentes uns dos outros, e estas devem ser levada em consideração sempre que for necessário beneficiar ou reter algum beneficio da sociedade, como um todo.
            Nós talvez sejamos os nativos altos e estreitos, e não nos conformaríamos com portas largas e baixas, ou vice-e-versa.
Concluo dizendo que, mais justo é tratar a todos de forma igual tratando cada um de forma diferente. Confuso? Talvez. Mas a verdadeira igualdade esta no compreender de forma igual as diferenças.