Resumo
O
objetivo do artigo é apresentar, de maneira normativa, duas visões de
democracia, uma minimalista e outra maximalista, a respeito de uma possível
participação política da sociedade na formação de políticas públicas. Por meio
de algumas ideias minimalistas, apresentarei algumas críticas direcionadas ao
ideal de um “bem comum” e de uma vontade sistematizada da sociedade como um
todo. E a atuação dos Policy Makers
como elaboradores de políticas públicas, e dos burocratas como administradores
de tais políticas. Em contrapartida, através de ideias maximalistas, falarei
sobre a possibilidade de maior participação por parte da sociedade civil, em busca
de uma convergência de interesses, para a elaboração de políticas públicas e,
por conseguinte, de uma “vontade geral”. Através de uma análise teórica,
descreverei o significado de políticas públicas na prática e sua relação com o
atual processo de consolidação de uma democracia participativa na
pós-modernidade.
Palavras-chave: Democracia; Participação democrática; Políticas Públicas.
1.
INTRODUÇÂO
Nos
dias atuais, em sociedades pós-modernas, a democracia pode ser considerada o
regime de governo mais almejado. Dela decorrem as ideias de auto-governo do
“povo”, ou “governo potencialmente de todos”, como diria Sartori. Num regime de
governo democrático, os indivíduos,
teoricamente, tem a capacidade de, por meio de pequenos grupos ou coalizões
políticas, levar os anseios da sociedade adiante no Estado, para que assim os
representantes eleitos possam elaborar e administrar políticas públicas que
lhes sejam favoráveis, e atendam à “vontade geral”.
Joseph
Schumpeter, um dos mais importantes economista da primeira metade do século XX,
em crítica a ideia de “bem comum”, diz:
“Não existe algo que
seja um bem comum unicamente determinado, sobre os quais todas as pessoas
concordem ou seja levadas a concordar através de argumentos racionais. Isso se
deve, basicamente, não ao fato de algumas pessoas poderem desejar coisas
diferentes do bem comum, mas ao fato muito mais fundamental de que, para
diferentes indivíduos e grupos, o bem comum está fadado a significar diferentes
coisas.”
(SCHUMPETER, 1942, p. 314-315).
(SCHUMPETER, 1942, p. 314-315).
Em
suma, Schumpeter acredita não haver a possibilidade de adequação dos interesses
de uma sociedade para geração de uma “vontade geral”. O minimalismo
Schumpeteriano é compartilhado por mais autores, como G. Sartori, N. Bobbio e
R. Dahl, os quais serão importantes para a formação da crítica a respeito de
uma atuação participativa direta da sociedade, por meio da opinião pública,
para elaboração de políticas públicas, como acreditava ser possível os
maximalistas, os quais serão descritos com mais precisão no decorrer deste
artigo.
2.
POLÍTICAS PÚBLICAS
Não há uma única definição de políticas públicas. No
entanto, neste artigo vou ressaltar seu papel prático, como ações derivadas do
Estado que cumprem o objetivo de atender a determinados anseios da sociedade.
Os autores minimalistas diriam que os únicos interesses que os formuladores de
políticas públicas desejam atender são os seus próprios, já que a sociedade não
possui uma vontade comum. Sendo assim, as políticas públicas seriam um meio de
sanar problemas existentes na sociedade.
“Críticos
dessas definições, que superestimam aspectos racionais e
procedimentais das políticas públicas, argumentam que elas ignoram a
essência da política pública, isto é, o embate em torno de idéias e interesses. Pode-se
também acrescentar que, por concentrarem o foco no papel dos
governos, essas definições deixam de lado o seu aspecto conflituoso e os
limites que cercam as decisões dos governos. Deixam também de fora possibilidades
de cooperação que podem ocorrer entre os governos e outras instituições
e grupos sociais.”
(SOUZA, 2006, p. 25)
(SOUZA, 2006, p. 25)
Com
respeito à referência acima, devo atentar para as últimas palavras da autora,
ao dizer que as definições a respeito de políticas públicas como sendo um meio
de sanar problemas “deixa de fora a possibilidade de cooperação que podem
ocorrer entre os governos e outras instituições e grupos sociais.” E é sobre
tal relação de cooperação que Easton (1965) se referia ao afirmar que as
políticas públicas são uma espécie de sistema, ou seja, há uma relação entre os
Policy Makers, resultados e o
ambiente. Segundo ele, “as políticas públicas recebem os inputs dos partidos,
da mídia e dos grupos de interesse, que influenciam seus resultados e efeitos.”
( SOUZA, 2006, p. 24)
A
sociedade quando organizada em pequenos grupos de interesses ou associações
civis pode ter um papel importante de influencia nas ações dos Policy Makers. Os interesses que são
discutidos na esfera política, derivados por sua vez de uma série de outros
interesses individuais que, como numa soma vetorial, agregaria todos os valores
dispostos em cada um dos indivíduos, resultando em uma “vontade geral”.
3. RELAÇÃO ENTRE POLÍTICAS PÚBLICAS E
DEMOCRACIA PARTICIPATIVA
A democracia participativa é o regime que busca a
efetividade dos mecanismos de controle da sociedade civil por meio da
administração pública, ampliando a noção de democracia e de ação democrática
para a esfera social.
Para os maximalistas, os princípios da inclusão, do
pluralismo, da igualdade participativa, da autonomia e da justiça social, como
diz L. Lüchmann,
são as principais características de uma democracia participativa. Segundo a
teoria participativa desenvolvida por C. Pateman:
Pode-se caracterizar o modelo participativo
como aquele em que se exige o input máximo (participação) e
em que o output inclui não
apenas políticas (decisões), mas também o desenvolvimento das capacidades
sociais e políticas de cada indivíduo, de tal forma que exista um "feedback"
do output para o input.
(PATEMAN, 1990, p. 43)
A autora
utiliza como fonte teórica de sua teoria, a ideia de participação direta de
Rousseau, para falar a respeito de efeitos psicológicos positivos que essa participação
pode gerar nos indivíduos. A participação direta geraria então maior integração
social por conta da convergência entre interesses particulares e coletivos em
busca de uma “vontade geral”. No entanto, para
haver essa empatia entre os indivíduos, é necessário haver também uma relativa
igualdade sócio-econômica, para que não haja certas relações e poder ou
dominação decorrentes e nem mesmo a venda de opiniões. Por meio dessa
convergência dos interesses então, há uma maior legitimidade das decisões tomadas
entre os indivíduos. Pateman aproveita a ênfase que S. Mill da à esfera local
como fonte de treinamento, onde se deveria trazer a participação direta, a qual
geraria motivação nos indivíduos, em contraponto a Schumpeter, que afirmava
serem os indivíduos incapazes de sistematizar seus interesses. A solução para
uma evidente apatia política da sociedade seria então democratizar as esferas
não políticas, como instituições de ensino, a família, e principalmente o
trabalho, ao qual G. H. Cole dá ênfase.
Havendo então uma participação efetiva da sociedade
por meio dos mecanismos ofertados pelo Estado, e também por meio do
associativismo e grupos de interesses, esses poderão atuar de maneira mais
incisiva na esfera pública em busca do tão almejado “bem comum”.
O autor J. Habermas, em sua teoria deliberativa da
democracia fala a respeito da esfera pública, lugar onde os indivíduos,
imbuídos de diferenças sociais, por intermédio de grupos, deliberam a respeito
de interesses coletivos. A esfera pública tem o poder consultivo e de pressão
que age sobre o sistema, onde se encontra o Estado e o mercado. Em
contraposição aos autores minimalistas, Habermas diz que quando a esfera
pública atende aos critérios de
publicidade (sendo estes: 1. modo como deliberam; 2. quem delibera; 3.
escopo das questões debatidas; 4. razões apresentadas), a opinião pública pode
então ser considerada racional, pois não há relação de poder e dominação na
esfera pública entre os participantes, nem por parte de qualquer intruso que
faça parte do sistema.
3.1
FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: SOCIEDADE CIVIL, POLICY
MAKERS E BUROCRATAS
Após
análise teórica entre maximalismo e minimalismo, é possível constatar que por
meio de um regime democrático participativo, seria possível a sociedade civil
ter capacidade de, na esfera pública, deliberar racionalmente a respeito de
interesses particulares e coletivos, que por sua vez convergirão para criação
de vontades coletivas representadas por uma série de grupos e associações
civis, que levarão essas aos Policy Makers, os quais então terão um papel
importante a cumprir, como fora dito anteriormente.
Elisa P. Reis, Ph.D. em
Political Science no Massachusetts Institute of Technology, e
atualmente, professora titular de Sociologia política na Universidade Federal
do Rio de Janeiro, trabalha em seu artigo Política e Políticas Públicas na Transição
Democrática, as concepções de Política e políticas públicas, através de
inspirações weberianas, considerando os burocratas ou administradores, e os
políticos ou lideres representativos (REIS, 2010). A ação dos burocratas, de
acordo com E. Reis é em contrapartida à dos formuladores, a de administrar
“firme e fielmente as ordens que recebeu de autoridades superiores – do estado
burocratizado, racional-legal - a ponto de internalizá-las e torná-las quase
uma convicção pessoal”.
A
partir de um estudo a respeito da atuação desses dois atores, policy makers e Burocratas, nos Estados
Unidos e alguns países da Europa, E. Reis definiu quatro perfis específicos
para retratar a atuação dos políticos e dos burocratas como formuladores de
políticas. Constatou que a formação de um tipo “híbrido puro”, que funde
completamente os traços burocráticos e políticos é inevitável. Em suma, ela
afirma que embora a burocracia seja preponderante para a manutenção da
democracia, podendo tanto quanto a liderança política, agregar interesses, esta
também encontra algumas limitações a medida do caminho. A agregação de
interesse discrimina contra interesses não organizados; tende a limitar-se no
âmbito de setores funcionais particulares, fazendo uma mediação segmental de
interesses, no entanto, incapaz de articular interesses intersetoriais; por
fim, a participação administrativa no processo de formulação de políticas
revelasse conservadora, pelo fato de agregar interesses que firmam a correlação
de forças existentes. É como se os burocratas garantissem a estabilidade, e os
políticos, a inovação e a criatividade em suas formulações de políticas
públicas (REIS, 2010).
A
autora conclui seu artigo afirmando que parece claro que é da própria
não-cristalização de forças sociais que a democracia retira sua força
ideológica para fazer o contrapeso do impacto sedimentador da burocracia. É
esse desafio de reconciliar interesses contrários que faz da Política um
recurso estratégico valioso. Mesmo que sempre tentando fazer o impossível, e
que apenas alguns participem, em última instância ainda, do processo de
políticas públicas (REIS, 2010).
Acredito
que a atuação da sociedade civil na esfera pública, não se limita à pressão que
esta causa no sistema, composto pelo Estado e o mercado. Mas à medida que a
democratização de esferas não políticas se fizer presente, e as pessoas
passarem a participar de associações civis, estas possuirão maior consciência
política. O cientista político R. Putnam (2000), fala a respeito de tal
consciência, devido à participação democrática no caso da Italia. Esta incute
em seus membros hábitos de cooperação, solidariedade e espírito público no
âmbito interno. Os indivíduos têm mais confiança social, participação política
e “competência cívica subjetiva”. No âmbito externo, afirma R. Putnam, “essa
“articulação de interesses” e a “agregação de interesses”, intensificados por
redes de associações secundarias, ao mesmo tempo incorpora e promove a
colaboração social.” Para Putnam, o associativismo é a precondição necessária
para o governo democrático.
4.
CONCLUSÃO
DAHL, R. A. (1997). Poliarquia: participação e oposição. São Paulo, Editora EDUSP.
PUTNAM, R. D. (2000).
Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro,
Editora FGV.
PATEMAN, C. (1990). Participação e teoria democrática. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra.
SCHUMPETER, J. (1984). Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Zahar Editores.
BOBBIO, N. (1987). Estado, governo e sociedade: para uma teoria geral da política. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra
LÜCHMANN, Lígia Helena Hahn. Possibilidades e limites da democracia deliberativa: a experiência do orçamento participativo de Porto Alegre / Lígia Helena Hahn Lüchmann . Campinas, SP : (s. n.), 2002. Orientador: Rachel Meneguello. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
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LÜCHMANN, Lígia Helena Hahn. Possibilidades e limites da democracia deliberativa: a experiência do orçamento participativo de Porto Alegre / Lígia Helena Hahn Lüchmann . Campinas, SP : (s. n.), 2002. Orientador: Rachel Meneguello. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
SARTORI,
Giovanni – "Democracia governada e
democracia governante", in: A teoria da democracia revisitada.
V. 1. São Paulo: Editora Ática, 1994. pp. 123-180
SOUZA, Celina. Políticas Públicas: uma revisão da literatura. In: Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16, jul/dez 2006, p. 20-45
REIS, Elisa Pereira. Política e políticas públicas na transição democrática.1988. Seminário Internacional sobre O Estado e as Políticas Públicas na Transição Democrática Recife, 18-20 de Maio de 1988
SOUZA, Celina. Políticas Públicas: uma revisão da literatura. In: Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16, jul/dez 2006, p. 20-45
REIS, Elisa Pereira. Política e políticas públicas na transição democrática.1988. Seminário Internacional sobre O Estado e as Políticas Públicas na Transição Democrática Recife, 18-20 de Maio de 1988
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